Como se enterra o que está vivo?

Como se enterra o que está vivo?

Esse canto é pela vida e pela morte. Afinal, o fim de uma é sempre o início da outra.
Quando eu me levantei depois de ter feito aquela prece, fiquei pensando em como faria aquilo, como enterraria algo vivo, como eu tinha prometido pra mim que enterraria.
É bem verdade que ele facilitava demais aquele velório, quando olhava pra mim com aquela cara e falava com a mesma voz mansa como se aquela morte sem a presença da morte não lhe afetasse em nada. Juro que as vezes eu sentia vontade de ir lá e o esbofetear, bater até chorar, não ele, eu, e fazer ficar mais fácil aquele desapego, mas eu não conseguia. Queria mandar ele a puta que o pariu, mas não conseguia… Ele, que sempre tinha tido cor de doce, cores, mesmo nos momentos mais críticos, tinha agora um gosto que eu não sabia definir, nem odiar. Não era de jiló, que odeio, nem de jurubeba, que não suporto. Era de não sei o quê, de fome sem vontade de comer. As vezes o gosto parecia com isopor, de nada, e mesmo descendo rasgando pela minha garganta, eu preferia e escolhia engolir. Uma parte do meu eu queria deixar tudo ali e partir, vazar, virar fumaça, abraçar o mundo e falar “vai se ferrar”, mas, a outra, aquela que tomava conta dos 90% de mim, queria ir lá, deitar naquele colo mais uma vez, dizer um monte de coisas sem nexo e ainda assim, com total sentido e sorrir, rir aquele meu riso besta que sempre se abria quando a gente se permitia. Nesse momento eu o odiava. O odiava e odiava também a mim, por ter me permitido algo que eu teria que enterrar, mas, nada mais se podia fazer. Voltaríamos para as nossas gaiolas bonitas e de poses puritanas.
Desci vagarosamente a rua que me levaria para onde ele morava em mim. Passei dois dias cavando a tal vala, o tal túmulo. Quando chegou enfim a hora de jogar aquilo que eu nunca chamei de amor naquele chão sujo, eu o abracei forte e olhei pra ele ali, em mim, tão lindo, tão tudo errado e certo e sem coragem de fazer aquilo com ele, fiz comigo. Deitei naquele chão frio e joguei terra, era eu deitada, e eu enterrando. E num misto de ódio, revolta e todo o tipo de sentimento sincero que eu me permiti sentir me prometi que aquilo de meu enterrado morreria pra sempre, e dessa vez eu jamais andaria conscientemente onde meus pés – e coração – fossem conhecer o fim.
Entre mortos, feridos, emputecidos, enraivecidos, tristes, salvaram-se todos. E como dizem por aí, foda-se o resto. A vida ainda está aqui.
Mas uma coisa eu não posso negar: Aquele filho da mãe faz uma falta maior que eu jamais poderia imaginar e eu queria tanto, mas tanto que ele ficasse aqui, mesmo que doendo, que o que eu precisava neste momento, era mesmo, sepultar tudo aquilo de mim.
“Wish You Were Here – Pink Floyd “
Camila Lourenço