Quando a gente aprende a ser livre

Quando a gente aprende a ser livre

Eu vi aquela menina no chão e meu primeiro impulso foi correr ao seu encontro e dar-lhe um abraço e dizer que seja lá o que a tivesse feito chegar àquela situação, iria passar. Mas, por bom senso e tantas outras coisas que o mundo prega, deixei essa responsabilidade a quem de fato devesse, que, não era eu. Talvez ela sequer aceitasse minha ajuda e não valia  a pena correr o risco da rejeição. Isso aconteceu várias vezes. Aquela moça insistia em ficar na rua onde eu passava. Todos os dias a encontrava lá, maltrapilha, com uma cara de choro e olheiras herança de noites mal dormidas. Sentava no meio fio e parecia ser ali seu santuário escolhido pra ver o mundo passar. O altar escolhido pra deixar seu coração desaguar. Um dia não aguentei e fui até ela. Sentei no meio fio ao seu lado, segurei suas mãos. De cabeça baixa ela estava, de cabeça baixa continuou. Lhe dei um abraço assim, sentadas mesmo e lhe sussurrei ao ouvido; vai ficar tudo bem.
Ouvindo aquilo, ela levantou a cabeça pra colocar nos meus aqueles olhos marejados e qual não foi meu espanto ao encontrar naquela face nada mais, nada menos que a minha face.
Nos abraçamos e naquele momento todo amor do mundo que por anos a fio doamos ao mundo, nos inundou. Como era difícil encarar aquela menina linda porém tão mal vestida,tão desacreditada e tão descrente e reconhecer que era eu mesma. A levantei, levei pra casa, dei banho, passei o melhor óleo e perfume, a deitei na cama e lhe abracei de conchinha como ela – eu – tanto gostávamos. Ela pareceu dormir pela primeira vez em anos. Eu, também. Acordei o dia já estava alto e eu, sozinha na cama. A menina irriquieta e triste havia enfim encontrado seu rumo. A moça maltrapilha que queria tanto que o mundo a visse encontrou o que precisava: os olhos e amor de si mesma sobre si e enfim teve paz. Tivemos paz.
Ela, eu, que procurávamos tanto alguém que nos salvássemos de nós, encontramos: nós mesmas.

Tarefa insana é buscar fora o que está dentro.
Impossível amar sem antes, abraçar a si.
Se amar é também se libertar.

Camila Lourenço