Estação 43

Estação 43

Vou te ligar cantando aquela velha canção

pra te desnortear,

te ferir com carinho

E fazer doer no seu ouvido

a nota melhor do nosso amor.

Marisa Monte

Eu me lembro até hoje do gosto do chiclete antigo, do jeans desbotado e da blusa jogada que eu usava naquela estação 43, no dia em que te vi pela última vez. Me lembro do meu último pensamento quando seu trem partiu e do amargo da lágrima que não derramei mas que desceu rasgando pela garganta. Provavelmente você nunca soube, nem jamais saberá, mas mesmo sendo um cretino e partido meu coração em mil pedaços, eu ainda queria você.

Com certeza aquele amor fazia parte das minhas manias bobas de insistir depois de nãos ou da fé sangrando, como quando criança, que eu continuava brincando de pular corda mesmo com os pés em bolhas. É que eu achava que a brincadeira valia a dor, assim como eu cri que você valia as lágrimas, aquelas que no momento da sua partida, eu não permiti que você visse. Depois de tantos vexames, de comer tantas vezes as migalhas que seu amor jogava, de tantos enganos, risos frouxos e falsos, tanta pertubação, amor e nenhum sentido, eu acabei encontrando na falta de sentido e naquele seu riso cínico, prazeroso e apaixonante, o meu orgulho ferido. E feito você, eu aprendi mentir e fazer pouco do nosso amor. Me escondi em uma casca e me fingi blasé para o seu pedido de perdão, ignorei suas lágrimas, me vesti de algoz e te deixei muda e seca naquele vagão, enquanto você seguia de rosto banhado e coração angustiado, eu fiquei aqui com a garganta amarga e o peito aos pulos, te vendo partir.

Confesso que sofri como um cão, mas mesmo assim consegui sorrir ao saber que você só comia, bebia e dormia a sombra do remorso. Hoje, tantos anos depois, eu reencontrei uma fotografia desbotada de um dia bonito do nosso amor e me lembrei daquele dia do trem que troquei o amor por um pedaço de orgulho e deixei você partir quando só desejava que você pedisse mais uma vez pra ficar.

As vezes o orgulho e o ciúme não dão mesmo licença poética pra nada, e foi numa dessas pausas de decisão entre a razão e o coração, que teus braços me perderam e eu perdi você.