E de viver demais ainda morro

Um dia eu vou morrer pela minha transparência e pela minha mania de ser e estar 100% em tudo que estou e sinto.

Se for dentro de uma chícara pequena que eu tiver que caber, de uma maneira esquisíta nenhum pedacinho meu sobrará pelas bordas. Se for num espaço grandioso ou oceano, cada gota d’água terá a mim, e eu serei uma gota e também o todo.
Sou grande. Pequena. Me atiro. Me prendo. Pulo. Seguro.
Remôo dores antigas pra superar as novas e nessa cara fica escancarado todas as dores e alegrias. Todas conquistas e derrotas. Toda intensidade e apatia.
Cabem todas as sensações aqui.
E eu insisto em ser transparente, sem saber se há forma de ser de outra forma. Talvez num ato insano, nem sequer querendo ser de outra forma.
E eu danço com vultos. E entro em danças que não sei dançar e fico parada no meio da pista olhando os casais rodopiando sem saber pra que lado devo levar o pé.
E pulo em precipícios sabendo ser precipício e sem usar um pára-quedas que me amorteça a queda.
E caio como diz uma amiga minha “com a cara esborrachada no chão”, sacudo a poeira e na próxima montanha esqueço totalmente o tombo anterior e pulo de novo.
E nessa de sobe e desce, de cara limpa e vento batendo no rosto eu sinto o céu e o inferno.
E ouço músicas feias pra embalar meus apertos. E descubro gostos. E aprendo de mim. E relembro das coisas que falo sem dizer, e me odeio, e me sinto pesada, e me sinto leve.
E sobrevivo pra tornar morrer várias vezes.
E a minha transparência maldita continua assim, deixando a carne viva à mostra, e colocando barro no meu rosto para que nenhuma lágrima caia sem ser gritada pra quem olhar.
E de mãos dadas com a intensidade ela segue seu curso de flores, chuva, céu, inferno, e um dia acabam me explodindo, porque um corpo só é pequeno demais para caber tanto de tudo.

Camila Lourenço