Quando descobrimos nosso tesouro

Para ler ao som de:

O último romance que lera estava jogado em cima da cama por fazer. Era alguma história triste do David Nicholls, que conseguia ser mais doce e menos previsível que Nicholas Sparks, mas trazia aquela mesma sensação juvenil de frio nas ventas, e frustração a cada página.

Enquanto olhava a bagunça do quarto, pensava na desordem que estava a própria vida. Quando poderia imaginar que no ápice dos seus 38 anos estaria assim, jogada num quarto escuro, num baita domingo, sangrando a dor dos amores que deram errado. Na verdade aquilo era muito mais ressaca moral consigo mesma pelas escolhas que não haviam saído como esperado, que pelos amores passados.

Começou fazer uma retrospectiva. Havia aproveitado bem a vida, já sabia bem há anos o que queria como profissão e mesmo assim, não entendia como podia ser tão juvenil no quesito paixão. Sem filhos e casamento, andava cedendo a qualquer capricho pra matar a vontade de ter uma família pra chamar de sua.

Nos últimos três anos, entrou na aula de dança, teatro, artesanato e culinária. Na dança, porque achou que poderia espairecer a cabeça, renovar a alegria e de quebra, aumentar o círculo de relacionamentos. E aumentou. Encontrou felicidade, alívio pra mente e um rapaz dos olhos lindos que logo estaria rodopiando em sua cama. Pra ter tempo pra ele, largou a dança, a academia e a culinária. Tudo para que seus horários batessem. Por priodades profissionais, e um passado tão pesado que não havia aprendido abandonar, ele partiu na mesma velocidade que surgiu.

Chorou, se apegou, maldisse, e continuou o barco. Oito meses depois, encontrou um novo balanço em uma das festas que começou frequentar. Ciumento, briguento, possessivo. Por ele, parou de ir às festas, através das quais, o conheceu e por causa dele, também, lembrou-se que antes só que ao lado de um surtado. E hoje, quatro meses depois, amargava uma ressaca moral, sentada na cama, olhando pra trás e percebendo que mesmo decidida, sempre abrira mão do que queria pra ser aceita. Que mesmo moderna, deixou de ser espalhafatosa pra encontrar quem lhe quisesse como família. Que mesmo iluminada, nunca se importou em apagar-se pra poder amar, sem cega, notar, que o amor é exatamente o oposto disso tudo.

Com olhos banhado em auto aceitação, levantou-se e vestiu a roupa que sempre quis vestir, mas que sempre disseram não combinar com sua idade. Passou o batom que sempre quis passar, mas que achava escandaloso demais para ser usado em qualquer ocasião. Arrumou-se com a melhor versão de si só pra sentar-se frente ao espelho e se prometer que antes que a vida lhe fosse o resto, ia traga-la como sempre quis tragar, por si e não pelos outros. Pois amor, ela já sabia bem, só era amor quando antes de abdicar-se pelos outros, a fazia abraçar a si.

Dessa vez, não foi pra uma festa procurar o que não havia perdido. Colocou uma música, arrumou o quarto e foi procurar na mente onde queria estar e descobriu que era bem ali, com a melhor companhia do mundo que talvez sempre tivera medo de apreciar. A sua.