Eu mato pessoas.
Mas não é morte súbita, é uma morte lenta, silenciosa e discreta.
Eu mato pessoas em mim.
É que de vez em quando eu canso. Canso dos risos floridos que ofereço, canso da apatia que recebo, canso da ingenuidade que me estampa quando tiro os amores para bailar. E ai eu resolvo matar. Eu corto caminhos, troco de estação, doo roupas. Eu mudo o canal, eu tiro de fininho e mansinho cada resquício que faz o amor crescer. Eu corto a água, jogo o adubo fora, não arranco as ervas daninhas. Eu deixo morrer a mingua. Eu faço morrer aos poucos. Eu faço a ausência me doer no início para me provocar riso no fim.
O último que matei foi minha banda favorita, e essa nem foi difícil. Eu mato pessoas pra não deixar morrer o amor em mim.
Eu apago pessoas do meu peito até a parede ficar limpa novamente e com alguma tintura eu tornar bonito cado algum borrão permaneça.
Fato é que algumas pessoas, mesmo que amargas, eu levo pra sempre. É que para alguns céus, é necessário tintas especiais para saber escrever. Mas isso não é pra todos, e no meu peito só permanece o que ilumina.
Não queria ter que matar ninguém em mim, porque meu coração nasceu pra ser multidão. Mas assim como árvore precisa de poda, coração precisa de limpa de vez em quando para frutificar.
[Foto: Carol Costa]