O copo em cima da pia suja, as roupas em cima da escrivaninha, o corpo largado na cama bagunçada, contam sem que eu diga, que o dia ainda não amanheceu.
De repente, estou morando em Norilsk. Fazem 3 séculos que o sol não vem. Cada dia é uma eternidade. E é com uma respiração profunda de desamparo que confesso: ainda espero você nascer.
Eu contei as estrelas e os quadrilhos das paredes. Contei os passos, o compasso e os suspiros. Eu rezei 450 milhas de segundos. Eu ainda rezo.
Eu olhei para o fio que me mantêm nesse inverno e não o cortei, tampouco o odiei. Fitei mais uma vez a janela aberta pela qual você jurou surgir, e não te vi. E mesmo com todos os motivos para te odiar, eu te amei mais uma vez.
Eu já andei 40 vidas nos últimos dias, e não faria sentido voltar para o tempo em que a raiva era o que me empurrava a andar. Descobri nos últimos dias, entre os lençóis desfeitos, que entre minha costela e meu peito, nasceu um lugar para compreensão. E juro, as vezes eu queria tirá-la de lá, porque talvez assim fosse mais fácil simplesmente fechar a janela, apagar a pergunta e apenas esquecer. Mas compreendendo, eu não odeio, não odiando, não há a mágoa pra muleta, e sem a mágoa, eu ainda te vejo com esses olhos que ainda insistem em te amar. Talvez, agora, depois de tantos anos, eu tenha realmente descoberto o que significa essa palavra que tantas vezes bebi.
Eu soprei flores para a última estrela que vi, e como nos últimos 1500 dias, pedi pra iluminar você.
Me disseram um dia que “luzes me guiariam de volta pra casa” e que me “consertariam”.
Ainda estou quebrada. As vezes parece que ninguém ouviu quando soprei para aquela nuvem no céu. mas hoje, um rapaz me deu um abraço e me falou em você. E me lembrou que quando junto as mãos e elevo os olhos, você se aconchega ao meu lado.
Então, agora te digo que há 5 segundos parei de digitar e uni as mãos.
Que meu suspiro dolorido, mas amoroso, encontre seus braços. Porque eu te abraço na ausência todos os dias, mesmo na escuridão. Ainda que sem ver. Eu ainda estou aqui.