Lá vai ele em sua cadeira de rodas. Tem as mãos calejadas e um sorriso estranhamente constante nos olhos. Não vive resmungando mas também não aceita tudo calado. Comprou com custo seu carro adaptado, mas ainda sofre com os engraçadinhos que hora ou outra invadem sua vaga de estacionamento. Invariavelmente precisa pensar em ideias mirabolantes para entrar nos lugares, mas dá seu jeito. Vai à praia quando pode, tem uma filha linda e uma fé na vida de dar inveja. Abraça a vida todos os dias, chora, sente, é humano. Desse cara eu não tenho pena. Não o acho incapaz só por não poder andar. Tenho pena é das pessoas que o olham com olhar de piedade e não vêem que digno de pena são elas mesmas, que se limitam e não se permitem. Dessas sim, eu tenho pena.
Tenho pena é daquele que segura o riso pra ninguém conhecer o som da sua risada. De quem não diz eu te amo pra não ficar à mercê da dúvida cruel que é pensar se é ou não amado. Desses sim eu tenho pena.
Tenho pena de quem não sonha ou de quem sonha pequeno por acreditar que sonhar grande é demais para seu tamanho. Desses sim eu tenho pena. Bobos, não sabem que nossas pernas pequeninas podem dar saltos do tamanho do mundo.
Tenho pena de gente preconceituosa e que por assim o serem, com conceitos previamente formados sobre coisas e pessoas nunca saberão como aquele cara de cabelo azul sabe sobre filosofia, ou como aquela garota toda tímida sabe sobre as constelações. Desses sim eu tenho pena.
Tenho pena de gente que não vive, que passa a vida vegetando saboreando somente o que a vida comodamente lhe trouxe à mão. Desses sim eu tenho pena.
Agora daquele cara, que perdeu as duas pernas num acidente de carro onde um idiota embriagado a 200km/h lhe roubou o prazer de caminhar, desse eu não tenho pena não. Não sei se foi antes ou depois do acidente, mas eu sei que aquele lá sabe viver.
Eu tenho pena é dos deficientes que habitam muitas casas do mundo. Que falam, andam, são normais, mas não aceitam as diferenças. Desses eu tenho pena. Pobres deficientes de alma, que não se permitem e que provavelmente passarão pela vida sem saber de fato o que é viver.
Camila Lourenço