Eu poderia dizer que bastou uma música para que eu me lembrasse de você, mas eu estaria mentindo. Eu lembrei quando traguei o ar, quando o soltei. Quando abri os olhos, quando os fechei. Quando senti a água no meu corpo. Quando o sol queimou minha pele. Quando fui lágrima, quando fui sorriso. Quando fui diersão, quando fui paraiso. Quando fui perdição, quando fui salvação. Quando pensei no bem, quando constatei o mal.
Eu balanço as pernas e lembro de você.
Eu toco um lábio e lembro de você.
Eu sou minha e lembro de você.
Eu sou do mundo e lembro de você.
Quando sou uma nota só, lembro de você.
Quando as batidas do coração são escola de samba eu também lembro de você. Não, quando meu coração bate feito escola de samba, não lembro de você, eu sou você.
Você entra pela porta e me preenche por inteiro. E eu sinto você na roupa que eu visto, na cor da minha lingerie, no vento forte que me machuca, na chuva que me lava.
Eu sinto você quando me sinto viva. Eu penso em você quando lembro da morte.
Eu sei de você quando lembro do meu rumo.
Eu sinto você quando decido sentar e ficar mais um pouquinho.
E o meu caminho já parece tão estranho que de estranho ele fica normal.
Hora me importo, hora esqueço.
Hora te quero, hora nenhum pouco padeço.
Sei do agora, e ele não me basta.
Olho a estrada e não há nada nela. Nem com seu corpo esguio no caminho, nem com você e suas tatuagens fora de cena. E enquanto penso demais e minha boca forma um bico você vem, me beija e diz: “Solta aquela risada escandalosa pra mim”, e eu olho pra você e dou um sorriso, nem grande, nem pequeno, nem alto, nem baixo. Só sorriso. Respiro fundo, te beijo e sinto: naquele momento eu tenho o que me basta. Mas sei também: o pouco nunca foi pra mim.
E eu fico assim. Te vendo tão muito, te tendo tão pouco. Tendo tanto e quase nada lhe oferecendo.
E a gente continua na estrada, e eu já nem sei mais se juntos somos ainda pouco.
E você permanece dirigindo sem saber que eu lembrei de você quando ouvi a tal música, quando respirei, quando dormi, quando acordei.
E ai você continua achando que é pouco, eu achando que tudo isso é pouco mas quase me matando para não contar que esse pouco preenche tudo que há mim.
Camila Lourenço