O tempo em nós

Balzaquiamos. Sessentamos. Aposentamos.
Vemos nossos cabelos mudarem de cor. Nossos cabelos brancos contam do tempo, mas não contam de nós.
Não passamos pelos anos, eles passam por nós e vão nos deixando mais enrijecidos, tesos, tensos, como árvores querendo florescer, esperando a hora certa pra frutificar, sem que a hora jamais chegue, ou talvez passando pela hora certa hora sim, hora não, sem se aperceber.
Continuamos sonhadores, inventores de grandes planos, enquanto o tempo vai vencendo nossas pernas, enquanto nadamos no mar das penas. Das nossas penas e pesares. Nadar é preciso.
De repente, o coração quer voar para o alto da montanha, mas o corpo já quase não consegue levá-lo. Nadar pra não se afogar em pesar, continua sendo preciso.
Somos passageiros de uma viagem que tem pressa do agora enquanto nos perdemos nas frestas da janela do que foi ou do que poderia ter sido. Nadar para não se afogar é preciso.
Somos velhas crianças a espera do que creu, do final feliz, do momento redondo, com todas as coisas em alinho. Boiar para se aperceber é preciso.
Somos uma porta pela qual a vida passa. Somos Peter Pans internos não querendo sair da Terra do Nunca.
Somos rios que não percebem que estão em direção ao mar.
Acomodemo-nos na viagem. Podemos ser crianças envelhecidas.
Estacionar e aposentar na fé dá asas ao coração que o corpo não consegue mais carregar.
Embalemo-nos. Emanemo-nos, sóis.