Para ler ao som de:
Hoje eu queria sentar e ver de uma vez só, todos os filmes dramáticos que me fazem ter vontade de devorar um pote de sorvete enquanto assisto em companhia do nada. Mas não dá porque minha TV está estragada, ou semi-estragada, e por ter uma imagem meio-boa, meia-boca, eu prefiro não ver nada
Eu queria ver televisão só pra me esquecer que hoje eu queria ter menos motivos para pedir perdão. Me esquecer de que ao menos hoje, eu queria ter sido menos ingrata.
Hoje eu queria não ter que parar de 5 em 5 minutos pra pedir perdão pela inveja que senti do berço de ouro que não nasci, ou das facilidades que a mim não vieram. Porque eu nem conheço o passo nem o rastro de quem tem mais que eu, nem sei a quantas passou pra chegar até aqui. E eu gostaria muito de pensar nisso tudo antes de achar a grama do vizinho mais verde, só porque obviamente, as vezes ela é mais verde. Mas eu nunca saberei o que custou a água que os jardins alheios regou.
Hoje eu queria ser mais grata pelas compensações da vida. E tirar essa mágoa boba que a gente hora ou outra guarda da estrada por apesar dos esforços, ela não nos levar para onde queremos.
Eu preguei no espelho do meu banheiro “se lembre de quem não tem nada!” só para meu egocentrismo ridículo se calar antes de escorrer pela boca reclamando pelo que falta. E pior, que, coitado, eu até entendo. As vezes é quase impossível não olhar para a falta sobrando aqui e acolá.
Hoje eu queria ser mais adulta e aceitar com mais facilidade o entendimento do “Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra”.
Eu vou colocar minha música favorita agora só para sentir aquela sensação idiota de que está tudo bem mesmo que o mundo esteja caindo aos pedaços. Porque é bem isso que música favorita nos faz: ou nos salva o mundo, ou nos faz desabar pelos olhos por ele.
Hoje eu quero fingir que nunca soube que fizemos do dinheiro nosso rei do dia e luz da noite. e que por ele e pra ele dedicamos nossas melhores noites de sono e nossos melhores anos.
E hoje eu vou fingir que não vou me achar idiota daqui 50 anos ao me lembrar dos porquês que me fizeram desistir de tantos planos, e me iludir me dizendo que daqui 70, não vou me culpar se por espinho do caminho, eu desistir de algum sonho.
Meus heróis têm mais defeitos que Davi, e ainda são heróis. Friso isso só pra hoje eu me lembrar que não é preciso ser perfeito para marcar a história. Marcar feito a mania idiota que nossa cultura tem de marcar gado. A ferro e fogo. Só que com fogo que não queima, ferro que sabe florir.
Hoje eu queria sentar e me esquecer de como as vezes somos tão fúteis e exibicionistas, ostentando a carcaça de uma vida cheia de dúvidas e chagas, que na maioria das vezes só se sustenta se alguém dizer algum sim.
Hoje eu queria sentar e assistir meu filme para comer um pouco de fé na humanidade, porque lá no fundo a gente bem que tem jeito. Mas a TV está estragada, e hoje estou com uma preguiça danada de olhar pra tela com cor de arco-íris arredondado e fingir que está bonito. Que está tudo bem.
Então eu vou voltar-me para o som que sai do play da minha música favorita, e da sensação boba e momentânea que ela traz. Porque ela me lembra que o mundo tem jeito. Que lá no fundo, a gente bem que tem jeito, e depois que eu respirar fundo, todos os questionamentos virarão só silêncio de paz.