Pra você que desaprendeu ver

Pra você que desaprendeu ver

Para ler ao som de:

Eu me lembro até hoje da primeira vez que te vi. Você era só um montinho de bochechas rosadas e boca banguela. Foi amor à primeira vista. Eu te amei mais que a mim, mais que a vida.

Pra ver seu sorriso ser maior que o rosto eu fiz o que pude e não pude, sangrei os pés para te ver conseguir andar, dormi no frio para te vestir, conheci a fome para te ver se alimentar, deixar a insônia reinar para te ver soletrar. E valeu cada segundinho de esforço. Faria tudo mais uma vez e outra vez, e outra vez, porque eu te amo demais. Eu te amo mais que tudo, maior do que o mundo, além do infinito.

Por isso me doeu tanto quando você começou desaprender a se ver como te vejo, e rir das suas graças e inocências mais delicadas e puras, da sua fé mais bonita e contagiante, do seu reflexo tão lindo e perfeito.

Quando você começou comer restos e comida que sirvo aos porcos, confesso, foi mais do que meu coração pode suportar. Eu, que padeci tanto para te fazer o melhor ser humano que você poderia ser, tão único e cheio de bonitezas que só entendidos conseguiriam ver, me vi desfalecer quando comecei te ver se vender para quem não sabia o quanto pagar. Minha pequena joia se deixando levar por bijuteria. Minha pequena criança, tão amada, cuidada, sonhada, se deixando tratar por misérias, aceitando menos do que o merecido, e pior, desaprendendo a ser e ver o ser humano incrível que tanta vida passou para se moldar.

Por que, minha criança, por que você não consegue mais olhar no espelho e ver o que é? Qual é a tinta que jogaram que você se recusa limpar? Qual é a força que te cega que não te deixa ver que potência descomunal que há em você?

Se do mar de lama você não consegue sair sozinho, eu ainda estou aqui. Eu sempre estarei aqui. Se ampare em mim. Segure em mim. Pode sujar minhas roupas como quando fazia quando ainda não sabia se equilibrar. Pode rasgar minhas vestes como quando fazia quando me obrigava  agachar com você na tentativa de aprender andar.

Eu te ajudo. Eu não solto. Eu limpo o que te atrapalha ver, ser e ter o que realmente é.

Faça do meu amor, que por você TUDO suporta, um porto-seguro para recomeçar.

Eu estou aqui!

 

Att.: Deus.

 

|Foto: Carol Costa|