Você me engole

Aquele negócio chamado vida? Tô aprendendo, rapaz. Tô aprendendo.

Você me engole. Me engole quando me olha, quando me fala, quando me toca, quando me vê. Sei que você me engole porque quando isso acontece, só vejo você. Olho pro lado e você está lá, zombando da graça desprovida de inteligência da vida. Respiro fundo e seu cheiro meio agre, meio doce, meio OGRO-doce impregna meus pulmões. Mastigo e ouço o som crocante de você entrando nos meus dentes, machucando minha gengiva, me fazendo sangrar e ainda assim, sendo irritantemente indispensável. Você me engole, eu sei. Quando aperta meu corpo me fazendo sumir no seu, fazendo dos meus fios de cabelo seus anéis. Você me engole, me absorve, me (re)tem. E quando habito seu corpo nesse cárcere-privado-aberto, meu mundo adquire uma redoma estranha, desconhecida e viscosa, que quanto mais tento sair, mais atolada fico, e por mais rico em liberdade que seja, mais me mantém refém. Refém por vontade. Ai me entrego, pego um livro e me descanso em você. Me encosto nas paredes do seu interior e fico esperando a vida, sei lá como, nos parir.

Só quando você, guloso que é, começa engolir tudo quanto é porcaria que aparece em sua frente, que as paredes de você em mim começam ficar mais transparentes e de repente, o mundo lá fora parece mais atrativo que esse lar desconhecido e interessante que você me dá sempre que me engole. E na espera do nosso parto, nos aborto e vou pra outra degustação qualquer da vida, um pouquinho mais confiável que seja, ciente porém que bastará você aparecer de novo pra me engolir e esfregar na minha cara que mesmo odiosamente estranho, não há lugar melhor do mundo para estar que dentro dessas suas retinas lindas quando você está a me engolir.
Você me engole e eu sempre me salvo, mas o que eu quero mesmo é ser engolida e não mais sair até a vida resolver nos parir.
I Won’t Let You Go – James Morrison

Camila Lourenço